Confira na íntegra a entrevista da Alumni Graciela Mateo´s de Marzio:

  1. O que te motivou a buscar uma experiência de intercâmbio na época?

Eu sonhava com ir para os EUA desde os treze anos de idade, embora seja filha de pais europeus que emigraram para o Brasil nos anos 50.

Aos 17 anos estava no treino do time de volley da ETEC Carmargo Aranha, onde cursava o 3º ano de contabilidade,  quando ouvi as meninas do curso de turismo falarem de uma bolsa de estudos de um tal  AFS para estudar o último ano do  highschool nos Estados Unidos.

Enxerguei a possibilidade de realizar meu sonho pois dentre os detalhes ouvi falar  que havia a possibilidade de uma bolsa financiada pelo AFS para candidato cuja familia não pudesse pagar o custo da bolsa, que na época era por volta de USD2.600,00, uma verdadeira fortuna para nossa família, que meu pai não tinha realmente como pagar.

Fui uma dos 13 jovens selecionados dentre 330 candidatos em São Paulo para o Winter Program 1978-1979 para os Estados Unidos e uma das duas bolsistas que obtiveram ajuda financeira do AFS.

2. O período de adaptação foi difícil? Qual foi a maior dificuldade? E a maior realização?

Eu me entrosei muito rapidamente com todos na escola. Fiz muitas amizades, tinha um relacionamento muito  bom com os professores e diretor da escola.

Eu fiquei com duas famílias, seis meses com cada uma.

A primeira era uma família cujos pais emigraram da Itália para os EUA havia 17 anos. Tinham quatro filhos. Sou amiga da segunda filha e de um primo até hoje. Embora meu pai no Brasil fosse também italiano, e o  “match” da famíia parecia ser ideal, a  mãe não se expressava muito bem em inglês e embora eu tentasse conversar com ela quando chegava da escola, ela sempre respondia tudo o que eu dizia com a frase “I don´t care!” Acho que a parede era mais comunicativa!

Na segunda família a dificuldade foi o relacionamento com a filha, que também era uma Senior e rolava uma competição entre a gente. Ela foi AFSer no verão na Suécia, mas ao retornar ficou se achando a última Coca-Cola gelada com limão e gelo do deserto e mais ninguém achou isso, inclusive a sua melhor amiga, disse não saber como eu aguentava a dita cuja e que se eu precisasse tinha uma cama me aguardando na casa da família dela.

Os pais desta família foram maravilhosos comigo. Com o passar do anos, quando eu trabalhava em New York soube que o meu pai americano estava com cancer, mas parecia que seu tratamento estava indo bem. Uns meses depois recebi uma chamada da minha cunhada americana dizendo que ele estava em casa em fase terminal e que a mãe estava sozinha tomando conta dele, com o pé quebrado.

Peguei o avião e fui para Cleveland, já cheguei com serviço de enfermagem 24/7 horas contratado.

Minha mãe americana não queria aceitar a ajuda mas eu estava preparada para argumentar!

Eu lhe disse que se não a aceitasse isso simplemente queria dizer que ela não me considerava filha dela coisa nenhuma, como ela tanto dizia! Pois é…deu certo! Aceitou!

Meu pai americano aguentou mais um  mês. Eu era mais próxima dele do que meu pai no Brasil. Nós dois choramos quando nos despedimos ao final do meu highschool year.

Apesar do relatado, a maior dificuldade que eu tive foi voltar para o Brasil. Comecei a chorar que não queria voltar quando faltavam seis meses para pegar o avião.

Estava tendo o melhor ano da minha vida e não queria interromper aquela experiênica.

A maior realização foi o dia da celebração do “Assembly Day” no final do ano do Highschool. Nesse dia há várias premiações. E o Diretor me chamou lá na frente, me deu uma enorme bandeira americana me dizendo que esperava que eu nunca me esquecesse deles! Como se fosse possível esquecer tudo aquilo…

Eu eu lhe dei uma bandeira brasileira, sugerindo que a colocasse na biblioteca da escola, e assim eu deixaria um pedacinho meu por lá, para que não me esquecessem. E agradeci a todos pela acolhida, pelas amizades e por esse ano inesquecível.

O pessoal aplaudiu muito e eu fiquei emocionada!

Com o advento do Facebook reconectei com vários amigos do meu highschool e fiquei mais próxima dos membros das minhas famílias em Cleveland.

 

Quais as diferenças entre o ensino de lá e o daqui?

Eu fui levada até a escola para conhecer Mr. Tippet, Diretor Assistente da Mayfield Highschool, e  para escolher as matérias que queria estudar durante o ano letivo.

Ele me deu uma folha de papel impressa com as matérias disponíveis.

Preenchi a lista e a devolvi.

Ele leu a lista, olhou para mim com um sorriso maroto e disse que infelizmente a grade escolar só permitia a escolha de sete matérias e não de dezenove!

Havia umas poucas matérias obrigatórias como inglês, história americana e educação física,   as demais matérias eram eletivas.  Eu escolhi fotografia, Italiano, aula de debates para “honor students”,  aula de Speech (Oratória).

Eu tive bastante liberdade para escolher o que quissesse porque no Brasil já estava no primeiro ano da Faculdade de Direito da USP e meu histórico escolar americano seria irrelevante no Brasil

A matéria mais difícil foi fotografia. O professor era jovem, tinha um bigode enorme, que cobria seus lábios e falava gíria  mascando chiclete. Ele percebeu que eu não o entendia direito e perguntou quais eram exatamente minhas dificuldades, respondi: seu bigode, o cliclete e a gíria.

Eu somente estudei em escolas públicas no Brasil, que na minha época eram ótimas, e tinha cursado três anos de inglês nas Escolas Fisk.

Francamente achei o curso fácil. Meu boletim de notas bombou!

Uma diferença importante é que, ao contrário do que ocorria no Brasil, lá o professor fica fixo na sala de aula e os alunos se movimentam de uma sala  para outra.

A dificuldade é que havia prazo de 5 minutos para chegar na sala seguinte e a escola era muito grande,  em dois prédios.

Eu tomei algumas advertências por chegar atrasada e fiquei de castigo no “Detention Room” por uma hora, quando você não pode falar com ninguém  (uma tortura para mim…) e só pode ler um livro ou fazer lição de casa.

 

3. O que mudou na sua vida após esse período em que você estudou nos Estados Unidos?

Minha habilidade de me comunicar em inglês, entender o que o outro quer  dizer, e como o americano pensa melhoraram muito a ponto de quando viajo para Europa, Ásia, América Latina e Oriente Médio, todos acham que sou americana, exceto nos países onde inglês é a língua nativa.

Meu plano era retomar a Faculdade de Direito e me especializar em Contratos  Internacionais, pois queria cada vez mais participar do cenário internacional no meu cotidiano,  e no futuro próximo queria trabalhar nos EUA.

Resolvi que o melhor caminho para conseguir um emprego na melhor firma de advocacia no Brasil  era aprender comércio exterior, sendo que na época, poucos tinham essa oportunidade,  pois inexistiam faculdades de comércio exterior.

Embora não tivesse a menor disposição para ser secretária, minha tia sugeriu que eu entrasse numa trading company americana, que comercializava produtos químicos globalmente, para secretariar o Gerente Geral porque ela já havia trabalhado com ele e enfatizou que ele gostava de ensinar pessoas que se mostravam interessadas em aprender trading, no que era ele um grande “expert”.

Eu já cursava a melhor faculdade de Direito do país, falava quatro línguas, mas minha família não era da alta sociedade paulistana e os empregos que almejava era para “outro tipo de gente”.

De fato,  quando já tinha 23 anos, era Gerente de Divisão Química,  e fui negociar com o Diretor de uma indústria petroquímica, vinculada à Petrobras.

Eu estava lhe propondo uma operação de “swap de cargas” (swap=troca), quando ele me interrompeu e perguntou como eu havia obtido meu emprego.

Fiquei surpresa.

Aventou se meu pai seria amigo do dono da multinacional na qual eu trabalhava, já que ambos eram europeus. Não era.

Perguntou onde eu morava. Respondi que morava na Vila Esperança, Penha, Zona Leste ( ou “Zona Lost” como diz uma amiga que adora me arreliar).

Ao final pediu desculpas pelas perguntas todas, disse ter ficado impressionado que uma menina de 23 anos negociava sobre temas que executivos de 40 anos tinham dificuldade de entender.

E arrematou dizendo que o tipo de emprego que eu tinha não era para pessoas com o meu perfil.

Ele foi fino,  mas o tal “perfil” a que ele se referiu foi “moradora da periferia”.

O local onde moramos não determina os locais onde atuaremos na nossa vida, profissionalmente ou pessoalmente.

Nessa empresa americana, onde comecei como secretária aos 20 anos de idade, em cinco ano foi nomeada Gerente Geral. Aos 32 anos fui promovida para o cargo de Gerente Internacional de Produtos na matriz da empresa em New York, cargo no qual trabalhei por 6 anos e conheci o mundo.

Após trabalhar 16 anos para essa empresa resolvi abrir minha própria empresa de intermediação de negócios e consultoria em negociações internacionais em 1997, empresa na qual continuo atuando e prestando serviços para empresas estrageiras globalmente.

Também quero compartilhar um fato pitoresco: no dia que saiu o resultado dos alunos aprovados no vestibular da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco/ USP, minha mãe,  toda feliz, confessou que duvidou que eu entraria na USP, porque essa escola era para filhos de tubarões (Poderosos…). Respondi que ela aguardasse para ver até onde esta sardinha iria chegar!

4. Qual sua maior motivação para ofertar uma bolsa a um aluno carente?

A minha maior motivação é retribuir a grande  oportunidade de vida que recebi de pessoas que desconheço e que bancaram a minha bolsa de estudos.

Fico muito feliz por ter condições de fazer o mesmo por um jovem da minha escola, onde ouvi falar do AFS pela primeira vez,  enquanto treinava  volley com as meninas da seleção da escola.

5. Qual contribuição pessoal e profissional você espera que esse aluno obtenha com o intercâmbio?

Eu espero que seus horizontes se expandam, que ele aproveite bem todas as oportunidades que esse ano na Itália, esse país maravilhoso, lhe oferecerá.

Espero ainda  que ele crie verdadeiros laços afetivos, que durem a vida toda, que se divirta e que seja muito feliz!

Profissionalmente, creio que esse ano na Itália lhe facilitará futuras conexões com pessoas dentro do meio profissional que escolher.

E recomendo que desenvolva resiliência.

6. Qual mensagem você deixa para quem pretende fazer intercâmbio?

Inicie o diálogo com as pessoas que encontrar. Muitos ficam intimidados de falar com alguém de outro país.  Participe o mais que puder da sua vida na Itália com a família hospedeira, a escola, os colegas italianos, os  bolsitas do AFS de outros países e com todos que encontrar.

Seja curioso, explore, tenha bom humor, seja ético e cuide-se muito bem!

E lembre-se que você é o representante do Brasil nessa experiênca  e que deve compartilhar seus conhecimentos sobre nosso país, cultura, história,  gente, música e alegria.

7. Como você descreveria o papel da AFS na sua vida?

O AFS materializou meu sonho, me presenteou com o  melhor ano da minha vida,  fez de mim uma cidadã global e me abriu as portas para o mundo.

Foi preponderante na minha carreira executiva e de empresária global, pois além de entender o que os americanos diziam,  eu entendia o que queriam dizer, o que é muito diferente e melhor.

E através dos americanos para quem eu trabalhei,  eu conheci o mundo.

Trabalhei em New York e Houston com pessoas de todas as nacionalidades.

O AFS me ensinou que todos no mundo, apesar da diversidade de raças, nacionalidades, etnias, religiões, línguas, culturas,  preferências políticas e orientações sexuais, têm em comum a humanidade e exibem os mesmos traços de caráter, piores ou melhores, segundo a escolha de cada um, pois cada um de nós é dotado de livre arbítrio para viver suas escolhas e colher seus frutos.

O AFS me trouxe amizades e famíliares americanos, com os quais estou em contato até hoje graças às facilidades de comunicação que temos com o advento das mídias sociais.